quarta-feira, 9 de julho de 2014

DIÁRIO DE BORDO N. 27
Tema: Fim da Jornada
Data:  10 de Julho de 2014
             Do dia 26 de agosto de 2013 até o dia 10 de julho de 2014, residi em Lisboa, Portugal, no intuito de realizar o pós doutoramento na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa - FLUL.
             No decorrer do período, estudei, viajei, aprendi, produzi, conheci pessoas, experimentei comidas diferentes, relacionei-me com alunos e professores de outros países e vivenciei sentimentos que afloraram, entre eles, a saudade. E creio que o resultado é o conhecimento e o autoconhecimento.

            A vida nunca é só de uma face. Aqui, seria mais fácil falar de vidas e, acredito que o ser humano é muito mais do que o somatório de tantas partes, fases, ciclos, planos, enfim, vidas. No período de um ano, vivi intensamente as minhas muitas faces que também não deixaram de ser contraditórias: alegria de conhecer outros lugares e a tristeza do distanciamento de entes amados. É a vida! Palavras de Alana Mara.

            Estou feliz por ter concluído a pesquisa que me propus, preparei e já entreguei o relatório à minha supervisora, profa. Dra. Isabel Drumond Braga. Tive a felicidade de ter um artigo produzido na Revista Face de Eva, Portugal. Outros artigos foram enviados e aguardo retorno.

            Para regressar ao meu país, devo, como última obrigação, preencher o relatório final, digitalizar a passagem de volta e enviar à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, órgão que financiou meus estudos. Para conhecimento, entregarei, também, o relatório de minhas atividades à Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa e ao Departamento de Educação Física da Universidade Regional do Cariri-URCA. O mais difícil foi preparar o relatório que durou longos meses e a parte mais fácil é a entrega, então, posso dizer que a missão está finalizada.      

             O período foi substancialmente rico em participação de seminários, cursos, jornadas e congressos internacionais. Momentos em que tive esclarecimentos e insights para a escrita de artigos e pesquisas que pretendo amadurecer e desenvolver em breve.

            Saindo da leitura de livros técnicos, tive a oportunidade de apreciar obras de diversos estilos embaladas com belas paisagens que me falaram da vida mais do que todos livros lidos. Foi o meu tempo no ócio criativo: leituras livres sem pressão do tempo, da temática ou do prazo, enfim, obras descompromissadas, simplesmente por estarem perto das mãos e dos olhos.

            De um relacionamento intimista com a obra e com o autor (a), devorei: Pequeno - almoço com Sócrates de Robert Rowland Smith que falou-me da filosofia e de filósofos nas questões presentes desde o simples ato de acordar até o dormir no fim de um dia intenso de atividades e reflexões. Em Jardim de Inverno, Zelia Gattai, ensinou-me a atuação e militância do Partido Socialista no Brasil de 1945-1952, bem como, mostrou-me a convivência dela e Jorge Amado com escritores, poetas, cronistas, romancistas contemporâneos, entre eles, Pablo Neruda. A Padeira de Aljubarrota de Maria João Lopo de Carvalho levou-me à história de reis, rainhas, princesas, cavalheiros, conventos, traições e amores entrelaçados com a vida da padeira que ajudou Portugal a lutar contra os espanhóis na batalha de Aljubarrota no ano de 1385. Quantos universos!

            Permiti-me, também, passar horas na internet, vagando, achando livros e fazendo download de textos, músicas, vídeos, filmes, palestras, debates, entrevistas e etc. Momentos que dizia para mim mesma: ”Este livro posso adotar em sala de aula”; “Este texto enviarei para fulano”… Vício ou força do hábito, não deixei de pensar na sala-de-aula.          

            Quem dera que mais professores tivessem a oportunidade de estudar com bolsa e viajar. Ter um momento para se dedicar a carreira e a formação, no sentido amplo da palavra. Ser forçado a “falar” outros idiomas, viver outras culturas e investir na formação continuada. Mas, tudo isso requer tempo e dinheiro. Daí a necessidade do apoio do governo, seja ele, federal, estadual e municipal.

            Considerando que até mesmo no trabalho, na composição de carga horária, o educador precisa de tempo para maturar as ideias, preparar as aulas, ler, estudar, dialogar com autores, com as pesquisas e com o mundo que o rodeia. O docente não pode ficar limitado apenas ao ensino com risco de cair no ostracismo e ter um conhecimento obsoleto que não acompanha o “aluno-internauta”. Sem deixar de mencionar que a pesquisa e a extensão fortalecem o ensino-aprendizagem e vice-versa.

            A finalização desta jornada não poderia ser mais enigmática o quanto foi aportar nos caminhos de Santiago de Compostela, Espanha. Diante de tantos peregrinos, deparo-me que, também sou mais uma romeira e, que ainda há muitos caminhos a seguir, seja na vida acadêmica, que não deixa de ser uma peregrinação sempre inatingível diante de tantas exigências, ou na vida espiritual, enquanto ser que tenta superar as fronteiras do cognoscível, enfim, de um jeito ou de outro, somos todos peregrinos.

                                Figura 01-Peregrinos em Santiago de Compostela, Espanha. Fonte: Arquivo Pessoal.

             Concordo com Aristóteles: o que aprendi (o todo) é muito mais do que o simples somatório das partes que vivi, ou então, o que sou é muito mais do que aprendi. As lições que obtive, não ficarão retidas, apesar de uma foto nunca transmitir o cheiro da flor ou o sabor de uma comida, tentarei, comunicá-las, de uma forma, ou de outra, pois, o pouco que aprendi está tatuado, sendo eu a dona e escrava do meu conhecimento, tal qual a música Tatuagem de Chico Buarque e Ruy Guerra, da peça teatral Calabar: o elogio da traição e transformado em livro.

            Por fim, registro meus agradecimentos à CAPES, URCA, FLUL, Departamento de Educação Física, profa. Dra. Isabel Drumond Braga, Prof. Dr. José Arimatea B. Bezerra, amigos e familiares que compartilharam, apoio e carinho, em minha jornada luso-brasileira.

Ariza Rocha


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